Abaixo o texto que o Júlio Diniz escreveu para prefaciar o Língua Nua, livro meu e de Elvira Vigna.
Prefácio
Júlio Diniz
A noção de parceria, em particular no campo das artes, tem sofrido constantes modificações. Realizar um projeto que envolve distintas mãos não se resume a uma soma de esforços e busca de complemento. Mais do que isso, a necessária comunhão entre linguagens e estruturas distintas se afirma na suplementaridade de suas diversidades e objetivos.
Há uma tradição de diálogo já firmada entre o livro e as artes plásticas, em especial o desenho e a pintura. São inúmeros os exemplos de clássicos da literatura ocidental ilustrados por artistas consagrados. Mas poderíamos ainda afirmar que traços, figuras e formas apenas ilustram e adornam a obra, a escritura, o corpo textual?
Se tomarmos como exemplo uma das edições de Les fleurs du mal de Baudelaire, primorosamente rasurado pelo delicado traço de Matisse, veremos que há muito não se aplica a esse constructo de artistas conceitos como ilustração e adorno. Matisse relê Baudelaire e reescreve em níveis distintos e suplementares as suas/dele flores do mal.
A constatação exposta acima aplica-se com propriedade ao livro Língua nua, uma bem urdida trama de conceitos, textualidade e imagens poéticas concebida e construída por dois artistas contemporâneos. A parceria entre o poeta Oswaldo Martins e a desenhista Elvira Vigna reafirma a vocação desta obra para a dialogia, a pluralidade e o apagamento de fronteiras rígidas entre diferentes estéticas.
O livro é dividido em dois grandes movimentos, em duas partes, que são, e podem não ser, independentes do todo. Como numa peça musical, o tema que atravessa a obra é o erotismo, suas variações, improvisos e repetições. Poemas e desenhos estão colocados lado a lado em harmônica dissonância, seja pelo viés do gênero, seja pela distribuição espacial dos versos.
O primeiro movimento do livro centra-se no que poderíamos denominar “série feminina”. São vinte e cinco poemas e desenhos que, sob o signo hegemônico da economia verbal e da potência de uma poética do menos, desnudam o desejo, o corpo e a linguagem do prazer e da dor, sendo a mulher a personagem da cena e da obscena. O erotismo transforma-se num exercício minimalista na afiada linguagem do poeta e da artista plástica.
A “série masculina” constitui a outra metade deste livro. A verticalidade dos poemas da primeira série é praticamente substituída pela horizontalidade quase-prosa dos vinte e cinco textos e desenhos desta parte. Oswaldo imprime aos seus escritos um ritmo acelerado, sem nenhuma pausa prevista nem pontuação indicada, marcando pela respiração acelerada o lugar do gozo da nua língua de sua poética.
O resultado final é produto de uma refinada artesania de palavras e imagens. Os traços dos desenhos de Elvira adentram e se confundem no corpo dos poemas de Oswaldo, provocando distintas leituras sobre o lugar do erotismo no espaço dos afetos. Uma parceria em tom maior, sem dúvida.
Boa tarde.
ResponderExcluirGostei do blog, depois o lerei com atenção.
Seria interessante tornar disponíveis os marcadores para facilitar a leitura dos seguidores e outros.
Enaldo.
www.panoticum.blogspot.com
caro Enaldo,
ResponderExcluirseja obrigado