sábado, 2 de abril de 2016

Em odor de santidade

A Baronesa, como era conhecida, acabara de morrer, acompanhada por uma de suas antigas protegidas. Fora acompanhada em seu calvário por toda a cidade condoída. A baronesa, pundoronosa nos últimos tempos, peidava, na curta agonia de sua despedida e, entre dentes, baixinho, como soía ser de bom tom para aqueles que deixam a vida, murmurava um sai diabo, como se o cheiro do metano, que expelia pelo cu – tantas vezes usado – a livrasse das lembranças que teimavam em lhe dar as graças de que fora senhora nos tempos em que mantinha sua Casa.

A Baronesa, enquanto suava e peidava, lembrava-se dos antigos clientes, das antigas princesas. Muitos dos quais estavam presentes à sua agonia. O padre presidia a tudo pesaroso. Acabariam as verbas doadas, com desprendimento e altivez, por aquela velha senhora. O que seria do teto da paróquia, das roupas engomadas, das ceias de natal, fartas de perus, rabanadas e baba de moça. O padre se interrogava, enquanto a Baronesa morria, suando e peidando.

O quarto, com as amplas janelas fechadas, protegendo a moribunda do frio que fazia, exalava o famoso cheiro, que no passado fizera a algazarra das mocinhas, quando por acaso um dos clientes de pregas soltas pontuava a trepada com os estrondos característicos dos coléricos trovões do intestino. A Baronesa, com a lembrança dos tempos passados, ao mesmo tempo em que abriu seu último sorriso, deu seu último suspiro e deitou pelo quarto, como última lembrança, o característico eflúvio de quem morre em odor de santidade.


(Oswaldo Martins)

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