quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

A simplicidade como correlato

A simplicidade não é necessariamente simplória naquilo que diz. Pode, pelo contrário, atingir um grau elevadíssimo de interpretação do mundo. A ciranda, manifestação cultural do nordeste brasileiro, tem essa característica ímpar, quando se dá na voz de Lia de Itamaracá. Na reflexão sobre a passagem dos anos, a presença do desejo, para além do tempo, se aplica na afirmação de que agora, com a idade chegada, entretanto, ainda se vive na beira do mar, quando o viver a cirandar é o correlato do desejo imorredouro.

Outra manifestação da simplicidade profunda está no Pastoril do Velho Faceta. Ao interpretar o senso comum do brasileiro, as músicas que compõem o pastoril jogam constantemente com o duplo sentido jocoso da cultura de que faz parte. Neste sentido, O casamento da filha do Seu Faceta cria uma sociologia própria do imaginário das relações familiares. Por trás da malícia ligeira das admoestações do pai para filha que quer casar, revela-se a cultura terrível destas mesmas relações. Ouvir com atenção as duplicidades do texto é mergulhar neste universo de pavor através das revelações pretensamente despreocupadas que a voz do Velho faceta traz. Se não, emendem o casamento com a deliciosa e terrível música que é Bacurinha.

Estas manifestações revelam características sutis da sociedade brasileira e nos faz entendê-la melhor.


(oswaldo martins)

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