quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Por que Musil?


 Os últimos acontecimentos, que vêm acontecendo nas cidades do país por esses meses, têm a meu ver algumas questões que são de extrema importância. Desde a atuação medíocre dos políticos nos episódios até a falaciosa e terrível afirmação de que o gigante tenha despertado; parece que voltamos aos tempos românticos e fajutos dos instintos de nacionalidade.

Gosto de ler. Por esses dias terminei e fiquei ruminando num livrinho de ensaios cujo título é Melro, do Robert Musil. Deste livro precioso, li uma afirmativa curiosa e que ao mesmo tempo traz uma possibilidade de desdobramento curiosa, no mínimo. Há, na segunda recolha dos ensaios, que o livro traz, um intitulado O ÉDIPO AMEAÇADO. Pressupõe o autor o complexo de Édipo, que veio colocar a psicanálise no centro das indagações da vida, como o oráculo dos tempos modernos e descortina o fim de Édipo na sociedade contemporânea.

Crer no fim de Édipo e de toda a ética que se lhe segue é pressupor também que o mundo cuja propriedade sempre se ligou ao trágico não mais se guia pela força nele inscrita. Veem-se suas manifestações por todo lado. Nas manifestações, na repressão desusada aos manifestantes e ao fenômeno desta nova ética, inscrita na atuação dos black blocs. O estado edipiano já não dá mais conta da sociedade, como o pai já não mais dá conta de seus filhos. Vivem pais e filhos, estado e cidadãos, em mundos díspares, muito embora alguma retórica bobalhona ainda se imiscua nesta nova busca por caminhos. Esclareço o que vejo como retórica bobalhona (e edipiana). Uma série delas:
a)      A retórica pessolista, encarnada pelo bom comportamento de sua figura maior – Marcelo Freixo;
b)      A retórica marinista, por ora acoitada no discurso pessebista;
c)  A retórica petista, que abandonou os princípios pessolistas por uma possibilidade falseadora da governabilidade;
d)    A retórica dispersa nas camisas de muitos jovens que revivem o bem pensante e descomprometido slogan do país deste a sua descoberta, gigantes, verdes e amarelos, terra em que tudo dá, petróleo, pré-sal – essas merdas que, desde Caminha, caminham no instinto fajuto da nacionalidade;
e)  A retórica peessedebista do tucanato da propriedade privada. Curioso verificar como o discurso dos peessedebista envelheceu. É o caminho mais direto à manutenção de uma ética edipiana. Talvez a que mais se aproxime desta mesma ética é o populismo praticado pelos novos pais dos pobres;
f)) A retórica dos neo e antigos cristãos da outra ou da mesma face, com seu criacionismo, sua crença nos disfarces do enriquecimento.

Os movimentos de rua são o de um mundo que exige uma nova ética, uma nova postura do humano frente à vida – na qual a festa e a destruição – o equilíbrio imperfeito do dia seguinte se erija como preocupação única e eficaz.

(oswaldo martins)



Um comentário:

  1. Não só os movimentos de rua, mas se há de fato uma ou algumas gerações que, longe do nosso século XX, se criou fora da experiência do trágico, estão em questão as formas de viver, de amar, de trabalhar etc etc etc. Engraçado é que a própria formulação do seu texto, "o humano frente a vida", carrega essa dimensão que parece não caber mais, ou por redefinição de humano, ou de vida, ou de ambos.

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