Gosto de ler.
Por esses dias terminei e fiquei ruminando num livrinho de ensaios cujo título
é Melro, do Robert Musil. Deste livro precioso, li uma afirmativa curiosa e que
ao mesmo tempo traz uma possibilidade de desdobramento curiosa, no mínimo. Há,
na segunda recolha dos ensaios, que o livro traz, um intitulado O ÉDIPO AMEAÇADO. Pressupõe o autor o complexo
de Édipo, que veio colocar a psicanálise no centro das indagações da vida, como
o oráculo dos tempos modernos e descortina o fim de Édipo na sociedade contemporânea.
Crer no fim de
Édipo e de toda a ética que se lhe segue é pressupor também que o mundo cuja propriedade
sempre se ligou ao trágico não mais se guia pela força nele inscrita. Veem-se
suas manifestações por todo lado. Nas manifestações, na repressão desusada aos
manifestantes e ao fenômeno desta nova ética, inscrita na atuação dos black blocs.
O estado edipiano já não dá mais conta da sociedade, como o pai já não mais dá
conta de seus filhos. Vivem pais e filhos, estado e cidadãos, em mundos
díspares, muito embora alguma retórica bobalhona ainda se imiscua nesta nova
busca por caminhos. Esclareço o que vejo como retórica bobalhona (e edipiana).
Uma série delas:
a) A retórica pessolista, encarnada pelo bom
comportamento de sua figura maior – Marcelo Freixo;
b) A retórica marinista, por ora acoitada no
discurso pessebista;
c) A retórica petista, que abandonou os princípios
pessolistas por uma possibilidade falseadora da governabilidade;
d) A retórica dispersa nas camisas de muitos jovens
que revivem o bem pensante e descomprometido slogan do país deste a sua
descoberta, gigantes, verdes e amarelos, terra em que tudo dá, petróleo,
pré-sal – essas merdas que, desde Caminha, caminham no instinto fajuto da
nacionalidade;
e) A retórica peessedebista do tucanato da
propriedade privada. Curioso verificar como o discurso dos peessedebista
envelheceu. É o caminho mais direto à manutenção de uma ética edipiana. Talvez a
que mais se aproxime desta mesma ética é o populismo praticado pelos novos pais
dos pobres;
f)) A retórica dos neo e antigos cristãos da outra
ou da mesma face, com seu criacionismo, sua crença nos disfarces do
enriquecimento.
Os movimentos de
rua são o de um mundo que exige uma nova ética, uma nova postura do humano
frente à vida – na qual a festa e a destruição – o equilíbrio imperfeito do dia
seguinte se erija como preocupação única e eficaz.
(oswaldo
martins)
Não só os movimentos de rua, mas se há de fato uma ou algumas gerações que, longe do nosso século XX, se criou fora da experiência do trágico, estão em questão as formas de viver, de amar, de trabalhar etc etc etc. Engraçado é que a própria formulação do seu texto, "o humano frente a vida", carrega essa dimensão que parece não caber mais, ou por redefinição de humano, ou de vida, ou de ambos.
ResponderExcluir