Crônica: Cidades, museus
(Para
Renato Cordeiro Gomes)
Alexandre Faria
Anos
viajando para consultoria em análise de sistemas e métodos, criei um hobby.
Coleciono cidades. No início, visitava os museus das cidades aonde ia, mas
depois os deixei pra lá. Só as cidades são museus de si. Os museus, pelo
contrário, são cidades alheias, mosaicos de expropriações ou espólio de
excêntricos que, doados às prefeituras, tornam-se o ônus da História. Ir a um
museu é perder-se da cidade que se visita. Por isso, os museus devem ser o
patrimônio primeiro dos cidadãos, dos que por fatal natalidade não podem fazer
o uso que um estranho faz de seu lugar. Deviam coibir a entrada de turistas nos
museus e estimular que os nativos, desde a infância, aprendessem a sair da
cidade através deles. Mas é justamente o contrário o que fazem. Na minha cidade,
por exemplo, tem um museu só com réplicas - vê se pode! - de Pedro Américo,
filho célebre do local. Mas não é só no Brejo Paraibano que isso acontece. Vale
o mesmo para o 221-B de Baker Street, London. Usam os museus como iscas para
cidades.
Busco nas
cidades o que nelas não se consegue apreender pelo sistema e pelo método. Quero
experimentar o entrelaçamento bruxuleante das existências humanas. Toda cidade
é cristal e chama. Busco a chama. E quando decido entrar em algum museu, faço-o
por um fetiche especial, uma obra ou personagem específica que lá estejam e que
me provocam a curiosidade.
Quando
agendei esta consultoria em Juiz de Fora, planejei aproveitar para re-conhecer
a cidade na qual passara o carnaval de 1988 com um namorado. Mas também
reservei uma tarde para ir ao Museu Mariano Procópio. Finalmente veria o
original, cuja réplica me tirava o sossego desde a infância, no museu de Pedro
Américo e nos livros de Educação Moral e Cívica, que estudei com afinco para
sair de Areia e ganhar o mundo. Na tarde programada, fui direto ao museu.
Fechado.
Passeei
pelos jardins tentando me refazer do impacto. Se a cidade fosse um corpo,
faltava-lhe um dos membros. O resto da cidade podia abrir-se inteiro para mim,
mas com aquele museu fechado, ela botava os quartos de banda. O todo sem uma
parte. Ia pensando essas coisas quando uma chuvarada me levou a procurar abrigo
nas mesinhas do café. Praticamente vazio, a não ser por uma jovem com um livro
cujo título me chamou atenção,"Todas as cidades, a cidade". Um rádio
no balcão tocava um sucesso de Elis Regina. Voz de Pedro Mariano.
Manchas torturadas. E eu sem meu Tiradentes
esquartejado. Foi-se o tempo dos açougues no Brasil, mas as tardes continuam
caindo como viadutos, museus. O que fazer com o cristal quebrado das cidades?
Peço uma cerveja e sento para refazer a agenda. Só então a jovem leitora se dá
conta de minha figura. Sorri. Ainda tenho quatro dias de promessas juiz-foranas
pela frente. Semana que vem vou ao Rio. Quem sabe lá encontro A carioca?
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