sábado, 4 de junho de 2016

Pilulinha 46

O livro O Sexo Vegetal, de Sérgio Medeiros, publicado pela editora Iluminuras, em 2009, constrói-se com elementos inusitados. Uma arte de amar que se propõe uma simplicidade estonteante – livro paradoxal na busca da compreensão do humano, posto que a linguagem ao afastá-lo da natureza envolve e desorienta o leitor na negação cultural com que o homem inventa o mundo.

A construção empreendida pelo poeta de uma relação amorosa para os vegetais que copulam com as palavras permite que se rompam as forças comuns da linguagem, fabulando a possibilidade de uma língua natural, de uma lógica que escapou da construção da história. Como um botânico que colhesse não os espécimes, prestes a serem desvendados, Medeiros busca, como um minucioso estudioso, os espécimes linguísticos que dão ao poema sua justificativa e espanto.

Tal como alguém, frente ao sublime kantiano, se vê abismado na torrente da finalidade sem fim, a língua apresentada pelo poeta permite que se vislumbre de passagem, mas poderosamente, a possível percepção da aluvião a que pertencem o homem, a natureza, de que se afastou – e não poderia ser de outra maneira – e a linguagem a dizer só quando, se apresentado, se diz.

A sinestesia destes versos “Havia tantas estrelas no céu que ele pôde ouvir algo” brinca com a tradição da língua brasileira, abandona-a e determina uma outra deriva para os ouvidos já batidos dos ora, direis, posto que a cena que se desenrola é a do mato parado às costas do observador, iludido com o espetáculo dos universos gigantescos, paralisado com a encenação do que é: mato parado do que observa sem ver.

A poesia de O Sexo Vegetal é poesia de erotismo delicado e construído a ponta de faca, para desentocar do leitor costumeiro inusitadas relações em que se vê mergulhado.


(oswaldo martins)

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