determinados momentos fazem com que a gente se sinta mais desprotegida ou mais leve, inconclusa. Algo que mexe cá dentro nos torna mais solitárias, menos afeitas a aventuras. Os dias bonitos, o cheiro de novembro no ar ou uma dor de barriga tão insuportável que parece que vamos nos esvair em merda. Ou um telefonema. Qualquer espinha que aconteça – se você estiver atenta, pode ser mais uma juventude provecta que teima em não ir embora, mas pode também ser uma sordidez, aviso ou telegrama – tanto faz. Um buço não cairia mal nestes momentos, enfearia a cara e me faria ridícula como a monalisa de duchamp ou o bigodinho do trovador de miró.
estou aqui presa a meus livros e a algumas fotografias eróticas que não me servem de nada. O quarto é exíguo e sento-me nua na cama – há um colar de rugas em torno de meu pescoço, quase imperceptíveis. Uma lareira arde bem atrás de mim. Faz frio e eu aqui com num quadro de eduard munch. pentelho branco desponta sorrateiro em meu púbis. Se eu cortasse algumas palavras e escrevesse ou pensasse pen 1 te 2 lho 3 bran 4 co 5 des 6 pon 7 taem 8 meu 9 pú 10 bis teria inventado um decassílabo que também não serviria para nada, talvez para um soneto tardio e límpido como as manhãs de primavera – um soneto em que o eu lírico – que não sou eu – jurema silva – mas a juju do balacobaco – insistissem em sua vida de mulher airosa – de puta mesmo.
(Jurema Silva – Memórias Esotéricas)
Excelente texto!!!
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