O pássaro negro senta-se ao piano, estende as mãos, começa a tocar
levanta-se, emite gemidos inteiros, bate os pés como um neandertal foca
o contratempo
o pássaro quebra paradigmas
o som da boca é mesmo um ahymé!
do piano surge um improviso melismático, contracenando com algum tango, algumas células de Stravinsky
o piano vai a ele numa atração mútua, aquele sistema se rearranja para caber numa dissolução nova
agora o pássaro estica-se todo
agora o pássaro enrola-se sobre o próprio corpo e aproxima a cara do teclado como se quisesse ouvir a voz da madeira
totalmente pássaro, uma parte dobra-se enquanto a outra olha para nós
volta para o tris, chegando rente ao público como um pingüim aquecendo-se um pouco.
Dobra-se todo na escuridão da humildade.
Luiz Fernando Medeiros, 9 de abril de 2011
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