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Às vezes, a linguagem pode surpreender
quem a usa. Só muito mais tarde é que o deslize linguístico se faz compreendido,
provocado que foi pelo espanto ou pela incapacidade de expressão. Certa feita,
viajando com meus pais e meus irmãos, exclamei cheio de maravilha sobre um
grupo de vacas, que pastava na encosta de um morro, olha, uma plantação de
vaca!
Teria sido uma das minhas
premonições poéticas? Transformar uma coisa em outra ou simples erro e
desdomínio da língua? Quando escrevo algum poema, de repente aparece uma
palavra, gritada não sei de onde, que transtorna todo o dizer que buscava e me
leva à exata inexatidão do que gostaria de mostrar.
Meus poemas são minhas
plantações de vaca?
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Gostaria de ter visto o dia
nascer numa praia deserta, mas o medo das aparições me impediam. Sonhava com
seres de outros planetas me observando da janela do quarto. Quando li no Augusto
dos Anjos, o soneto dos morcegos, compreendi quem eram aqueles pequenos seres
noturnos.
Depois vieram os sonhos com os
escorpiões. Narrativas bem-acabadas com finais abruptos ao despertar. Vivia
imerso nessas fantasias. Como a da sístole e diástole de pequenas bolinhas que
se condensavam e se diluíam durante uma noite inteira, meu pequeno exemplo do
big-bang.
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Gostava de, no carnaval, catar
pedaços de serpentina e enrolá-los, um colado ao outro, até ter no fim dos dias
de folia uma peça multicor que girasse em minhas mãos com o intuito de hipnotizar
alguém. Infelizmente não guardei estes objetos rosarianos; fariam uma bela
coleção para a minha biografia de objetos inventados.
Quem sabe os seres pudessem
ser sugeridos por esses objetos sem precisão, em uma absoluta cosmologia do
impreciso. Outro dia respondendo a uma demanda sobre o emprego de vírgulas em um
poema que escrevi para uma revista, anotei: não emprego vírgulas na escrita dos
poemas, pois busco neles uma possibilidade de não fixação dos sentidos,
os versos devem se mostrar em mobilidade constante.
Seria uma forma de ressignificar
minhas plantações de vaca, meu manto?