terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Desenho cubano


Pilulinha 28


O Comedor de Salamanca, de Jorge Fernandes da Silveira, editado pela Oficina Raquel, no final de 2012, é um livro saboroso, que lembra as diatribes do poeta Oswald de Andrade, principalmente nos recortes de seu Pau Brasil. Embora os cortes de Jorge sejam outros, outra a extração e o interesse que busca, percebe-se, na intenção de jogar com algumas das tradições que compõem o vasto repertório cultural ibérico, a mão irônica com que o autor traça os poemas e textos do livro.
Na ironia algo sardônica com que lê o mundo, num movimento pendular que ora evoca a formação sentimental, ora se desloca para a visão do mundo contemporâneo em crise, a obra do autor se escreve como a marca d’água com que pontua a sensação dos papéis que guardam os segredos e suas autenticidades.
Desde logo está ali a mão que orienta – e seduz – o leitor a descobrir um universo cuja melhor expressão se encontra nas inversões percebidas e atualizadas daquilo que se vê, se viu, ao longo do jogo lançado entre o narrar e poetizar a vida.
Leiam os belíssimos excertos abaixo e provem desta criação feita de sutilizas e sensibilidade.

CARMEM
Na versão espanhola que vejo da Carmem de Bizet do Ballet Flamenco de Madrid

Um Don José tão soberbo
Absorvido de tamanho erotismo
Que à Carmem só lhe resta
O vermelho da mantilha e do vestido

*

BUÑUELLAS

Recortados, de um só campo de informação, ao longo do mês de maio ainda em curso, estes textos, além de desfrutarem de variantes de sentido entre recorte e corte em castelhano e português, mantêm em fogo alto a imagem geradora e coincidente de O Comedor de Salamanca

*

Releituras
As poéticas fora de lugar
Clássicos (no literariamente, sino literalmente) Revisitados

__ Ondas do Mar de Vigo, cadê meu Amigo?
__ Ué, sei lá!

(O Comedor de Salamanca)

Este, então, é de uma beleza poucas vezes alcançadas pela moderna poesia brasileira.

(oswaldo martins)

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

9


o defunto dorme em caixas de fogo
fede e possui nas mãos carcomidas
pelos vermes tudo o que desafoga
desaparece da linha da hibris

e se deita com o cão rancoroso
das profundezas desumanas que
o deixam ali dormente nos ossos
nos olhos na boca e não mais que

corpo sem os adjetivos de um anjo
reluz sem brilho a pele secundada
do cortejo das baratas albinas

ele se vai sem os códigos-manto
a cama vazia o expresso do nada
que o anjo desbordado consolida

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Prosa 1


Se os conhecedores dessas línguas individuais encontrassem o que dizer uns aos outros, que lhes fizesse sentido, então também haveria esperança para nós, as criaturas humana comuns, a quem falta a dignidade da loucura.

(Elias Canetti – Uma luz em meus ouvidos)

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

noites


para Clarice Lispector

há noites em que deixo tudo arrumado
pratos copos talheres lavados.
há noites em que por perversão
a mim mesma
deixo tudo desarrumado
pratos copos talheres engordurados
o cinzeiro cheio de sarro.

elesbão ribeiro
20/01/13

capital

Night after night to the farmer’s children you beckon

W. H. Auden


a cidade pode sua berceuse quando sai aos bares
as crianças ouvem-nas desatentas e entoam
uma ladainha lúgubre

se falam do mar das areias finas
se falam de si mesmas em monótona cantoria
estendem a mão para a punheta debaixo das marquises

as damas ai jesus que passam andam apressadas
para a garantia dos encômios da comida
na mesa vão aos cinemas ao romper da noite

e se encoxam solitárias quando a luz se apaga
sonham as pequenas criaturas descalças que acorrem
prestimosas quando uma nota de enxovalhos

escorre na direção estúrdia do banho em casa alheia
do pequeno café do bolo de mandioca
e da pequena morte

(oswaldo martins)

Poesia 2013 quatro


The Composer


 All the others translate: the painter sketches
 A visible world to love or reject;
 Rummaging into his living, the poet fetches
 The images out that hurt and connect.

 From Life to Art by painstaking adaption
 Relying on us to cover the rift;
 Only your notes are pure contraption,
 Only your song is an absolute gift.

 Pour out your presence, O delight, cascading
 The falls of the knee and the weirs of the spine,
 Our climate of silence and doubt invading;

 You, alone, alone, O imaginary song,
 Are unable to say an existence is wrong,
 And pour out your forgiveness like a wine.

W. H. Auden

*

O Compositor

Todos os outros traduzem: esboça o pintor
Um mundo visível que se ama ou detesta;
Vasculhando a existência, captura o poeta
As imagens que unem e que causam dor.

Da Vida à Arte em morosa adaptação
Que a nós exige suprir a omissão;
Só as tuas notas são engenho impoluto
Só o teu canto é um talento absoluto.

Verte, ó Prazer, tua presença, cascateando
Nas cachoeiras do joelho, sobre o dorso;
O nosso silêncio e suspeita conquistando.

Só tu, só tu, Ó imaginária canção,
Não dizes nunca que uma vida é um destroço,
E como um vinho vertes o teu perdão

“Outro Tempo”
Tradução de Margarida Vale do Gato

domingo, 20 de janeiro de 2013

Poesia 2013 três


circum-lóquio 
(pur troppo non allegro)
 sobre o neoliberalismo 
terceiro-mundista

laisser faire laisser passer

  1.
o neoliberal
neolibera:
de tanto neoliberar
o neoliberal
neolibera-se de neoliberar
tudo aquilo que não seja neo (leo)
libérrimo:
o livre quinhão do leão
neolibera a corvéia da ovelha

   2.

o neoliberal
neolibera
o que neoliberar
para os não-neoliberados:
o labéu?
o libelo?
a libré do lacaio?
a argola do galé?
o ventre-livre?
a bóia-rala?
o prato raso?
a comunhão do atraso?
a ex-comunhão dos ex-clusos?
o amanhã sem fé?
o café requentado?
a queda em parafuso?
o pé de chinelo?
o pé no chão?
o bicho de pé?
a ração da ralé?

   3.
no céu neon
do neoliberal
anjos-yuppies
bochechas cor-de-bife
privatizam
a rosácea do paraíso
de dante
enquanto lancham
fast-food
e super
(visionários) visam
com olho magnânimo
as bandas
(flutuantes)
do câmbio:

enquanto o não
- neoliberado
come pão
com salame
(quando come)
ele dorme
sonhando
com torneiras de ouro
e a hidrobanheira cor
de âmbar
de sua neo-
mansão em miami

     4.

o centro e a direita
(des)conversam
sobre o social
(questão de polícia):
o desemprego um mal
conjuntural
(conjetural)
pois no céu da estatís-
tica o futuro
se decide pela lei
dos grandes números

   5.
o neoliberal
sonha um mundo higiênico:
um ecúmeno de ecônomos
de economistas e atuários
de jogadores na bolsa
de gerentes
de supermercado
de capitães de indústria
e latifundários de
banqueiros
- banquiplenos ou
banquirrotos
(que importa?
dede que circule
autoregulante
o necessário
plusvalioso
numerário)
um mundo executivo
de mega-empresários
duros e puros
mós sem dó
mais atento ao lucro
que ao salário
solitários (no câncer)
antes que solidários:
um mundo onde deus
não jogue dados
e onde tudo dure para sempre
e sempremente nada mude
um confortável
estável
confiável
mundo contábil.

   6.
(a
contramundo
o mundo-não
-mundo cão-
dos deserdados:
o anti-higiênico
gueto dos
sem-saída
dos excluídos pelo
deus-sistema
cana esmagada
pela moenda
pela roda dentada
dos enjeitados:
um mundo-pêsames
de pequenos
cidadãos-menos
de gente-gado
de civis
sub-servis
de povo-ônus
que não tem lugar marcado
no campo do possível
da economia de mercado
(onde mercúrio serve ao deus mamonas)

   7.
o neoliberal
sonha um admirável
mundo fixo
de argentários e multinacionais
terratenentes terrapotentes coronéis políticos
milenaristas (cooptados) do perpétuo
status quo:
um mundo privé
palácio de cristal
à prova de balas:
bunker blau
durando para sempre - festa estática
(ainda que sustente sobre fictas
palafitas
e estas sobre uma lata
de lixo)


Haroldo de Campos

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Pilulinha 27


Não conhecia a poesia de Plínio Junqueira Smith, autor do curiosíssimo Corpo Estranho, editado pela Alameda Casa Editorial. Os poemas revelam a presença de uma ironia fina, sintonizada aos problemas cada vez mais urgentes da vida contemporânea. Na sintomatologia dos poemas, a sociedade adoecida apresenta como correlatos do corpo invadido os versos da aguda ironia com que se desmistificam os pruridos da doença. Desde a prosaica dor de dente às agruras dos pólipos a serem combatidos pelo humor poético.

A presença constante da morte – que só se realiza, sem se realizar, no último poema do livro é o mote através do qual o indivíduo se vê perdido numa sociedade agônica e limítrofe e a ela responde, com os motejos do riso. Se a representação poética se aproxima das representações ficcionais, o que se revela no livro do poeta não é propriamente um discurso sobre a morte, mas a sua contraparte, discurso eivado das dores vivenciais que o impulsionam ao combate subjacente a toda experiência do ser frente aos limites que se lhe impõem. A ironia funciona como um regulador que se desloca do pessimismo agudo à vontade contida no desejo de rir do mundo e de seus limites. Entre estes dois polos o instrumento de combate, como o afirma o poeta logo no primeiro poema do livro, estaria numa inusitada receita – o próprio poema.


Placebo?

Acometido de muitas e graves doenças
— Sem esperança, um dos males de Pandora —
Submeti-me, voluntariamente,
A metódica pesquisa médica.

Uma doutora alta, cabelos negros e curtos
Com olhos penetrantes e lábios finos
— Em suma, uma perfeita musa —
Viu em mim todas as enfermidades

E receitou-me antigo e incerto remédio: a poesia
Esperando minha evolução para melhor avaliar o tratamento:
Eficácia, efeitos colaterais, interações medicamentosas.
Tomei-a diariamente, como recomendado.

Quero confessar, hoje, com sinceridade:
Não sei se me puseram no grupo controle
E se ingeri somente inócuo placebo
Em vez de poderosa substância química.

O fato é que, de algumas doenças,
Melhorei e julgo-me curado.
Ainda padeço daquela doença fundamental:
A existência e os afazeres do dia-a-dia.

A musa-médica, à qual o eu-lírico se entrega e a descreve com malícia, é na medida mesma do desejo o que se contrapõe ao esquadrinhamento médico que vê nele “todas as enfermidades”. A receita – prosaica – faz com que o eu poético, ao se julgar curado, padeça da doença fundamental que se resume no belo verso “A existência e os afazeres do dia-a-dia”. Ora, o paradoxo que se coloca está claro e vai orientar o leitor na travessia dos poemas “adoentados” do resto do livro. A pulsão que o orienta – ao falar da morte – é necessariamente a pulsão da vida que se imiscui no cotidiano e nos faz olhar a doença com desconfiança, contaminando toda a existência deste olhar irônico sobre a infalibilidade da morte.

(oswaldo martins)

PEDRAS NA VESÍCULA


Eu não poderia me imaginar tendo dores terríveis e,
enquanto durassem, me transformar numa pedra?
                                                         Wittgenstein


No princípio era a imagem:
Uma ressonância magnética
Com seu ruído ensurdecedor
De engrenagens sem graxa.

Outra imagem mais precisa:
Um ultrassom silencioso
Confirma em tom cinza
Prévia e infame suspeita.

A inflamação da vesícula
Resulta da pura realidade:
A pedra, seu real símbolo
É aqui somente pedra

Não a pedra-metáfora
Não a litografia da ciência
Mas o pedregulho vulgar
Com sua cláusula pétrea.

E a dor da pedra-pedra
É a própria pedra em flor
Desabrochando suas pétalas
Deitando raiz no meu âmago.

Plínio Junqueira Smith - Corpo Estranho


Dois novos poemas do Elesbão


Nelsinho

para Dalton Trevisan

naquele lugar da boca
em que nela faltava um dente
que ele mais afiava a língua.

elesbão ribeiro
16/01/13

teia

para Nelson Rodrigues

foi embora de casa
libertou-se do marido
abrigou-se na casa da irmã

o cunhado quando soube
foi só satisfação.

elesbão ribeiro
16/01/13

domingo, 13 de janeiro de 2013

Desestudos



rios constituem abandono
ruídos fictícios - um eu,
que se perde a história

e além do desjejum sobre
uma completude de nadas
a própria vida alcança

a vacuidade
de um tem perdido

(in doze estudos para leituras trágicas - desestudos)

sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Discurso de Pepe Mujica en Río:

Mujica habló ante una audiencia de mandatarios que con desgano escucharon las verdades brutales que les decía, recien a días del discurso, la prensa internacional y el mundo comienzan a tener en cuenta que no fue un simple discurso el que dijo el presidente uruguayo.

Autoridades presentes de todas la latitudes y organismos, muchas gracias. Muchas gracias al pueblo de Brasil y a su Sra. presidenta, Dilma Rousseff. Muchas gracias también, a la buena fe que han manifestado todos los oradores que me precedieron.

Expresamos la íntima voluntad como gobernantes de apoyar todos los acuerdos que, esta, nuestra pobre humanidad pueda suscribir.

Sin embargo, permítasenos hacer algunas preguntas en voz alta.

Toda la tarde se ha hablado del desarrollo sustentable. De sacar las inmensas masas de la pobreza.

¿Qué es lo que aletea en nuestras cabezas? ¿El modelo de desarrollo y de consumo que queremos es el actual de las sociedades ricas?

Me hago esta pregunta: ¿qué le pasaría a este planeta si los hindúes tuvieran la misma proporción de autos por familia que tienen los alemanes? Cuánto oxígeno nos quedaría para poder respirar?

Más claro: ¿tiene el mundo los elementos materiales como para hacer posible que 7 mil u 8 mil millones de personas puedan tener el mismo grado de consumo y de despilfarro que tienen las más opulentas sociedades occidentales? ¿Será eso posible?

¿O tendremos que darnos otro tipo de discusión?

Hemos creado esta civilización en la que hoy estamos: hija del mercado, hija de la competencia y que ha deparado un progreso material portentoso y explosivo.

Pero la economía de mercado ha creado sociedades de mercado. Y nos ha deparado esta globalización, cuya mirada alcanza a todo el planeta.

¿Estamos gobernando esta globalización o ella nos gobierna a nosotros?

¿Es posible hablar de solidaridad y de que “estamos todos juntos” en una economía que basada en la competencia despiadada? ¿Hasta dónde llega nuestra fraternidad?

No digo nada de esto para negar la importancia de este evento. Por el contrario: el desafío que tenemos por delante es de una magnitud de carácter colosal y la gran crisis que tenemos no es ecológica, es política.

El hombre no gobierna hoy a las fuerzas que ha desatado, sino que las fuerzas que ha desatado gobiernan al hombre. Y a la vida.
No venimos al planeta para desarrollarnos solamente, así, en general. Venimos al planeta para ser felices. Porque la vida es corta y se nos va. Y ningún bien vale como la vida. Esto es lo elemental.

Pero la vida se me va a escapar, trabajando y trabajando para consumir un “plus” y la sociedad de consumo es el motor de esto. Porque, en definitiva, si se paraliza el consumo, se detiene la economía, y si se detiene la economía, aparece el fantasma del estancamiento para cada uno de nosotros.

Pero ese hiper consumo es el que está "agrediendo" al planeta.

Y tienen que generar ese hiper consumo, cosa de que las cosas duren poco, porque hay que vender mucho. Y una lamparita eléctrica, entonces, no puede durar más de 1000 horas encendida.
¡Pero hay lamparitas que pueden durar 100 mil horas encendidas!
Pero esas no, no se pueden hacer; porque el problema es el mercado, porque tenemos que trabajar y tenemos que sostener una civilización del “úselo y tírelo”, y así estamos en un círculo vicioso.

Estos son problemas de carácter político.
Nos están indicando que es hora de empezar a luchar por otra cultura.

No se trata de plantearnos el volver a la época del hombre de las cavernas, ni de tener un “monumento al atraso”.
Pero no podemos seguir, indefinidamente, gobernados por el mercado,
"sino que tenemos que gobernar al mercado".

Por ello digo, en mi humilde manera de pensar, que el problema que tenemos es de carácter político.
Los viejos pensadores –Epicúreo, Séneca y también los Aymaras- definían: “pobre no es el que tiene poco sino el que necesita infinitamente mucho”.
Y desea más y más.

"Esta es una clave de carácter cultural"

Entonces, voy a saludar el esfuerzo y los acuerdos que se hagan.
Y lo voy acompañar, como gobernante.
Sé que algunas cosas de las que estoy diciendo "rechinan".
Pero tenemos que darnos cuenta de que la crisis del agua y de la agresión al medio ambiente no es la causa.
La causa es el modelo de civilización que hemos montado.
Y lo que tenemos que revisar es nuestra forma de vivir.

Pertenezco a un pequeño país muy bien dotado de recursos naturales para vivir. En mi país hay poco más de 3 millones de habitantes.
Pero hay unos 13 millones de vacas, de las mejores del mundo.
Y unos 8 o 10 millones de estupendas ovejas.
Mi país es exportador de comida, de lácteos, de carne.
Es una penillanura y casi el 90% de su territorio es aprovechable.

Mis compañeros trabajadores, lucharon mucho por las 8 horas de trabajo. Y ahora están consiguiendo las 6 horas.
Pero el que tiene 6 horas, se consigue dos trabajos; por lo tanto, trabaja más que antes.
¿Por qué?
Porque tiene que pagar una cantidad de cosas: la moto, el auto, cuotas y cuotas y cuando se quiere acordar, es un viejo al que se le fue la vida.

Y uno se hace esta pregunta: ¿ese es el destino de la vida humana?
¿Solamente consumir?

Estas cosas que digo son muy elementales: el desarrollo no puede ser en contra de la felicidad.
Tiene que ser a favor de la felicidad humana; del amor a la tierra,
del cuidado a los hijos, junto a los amigos. "Y tener, sí, lo elemental"

Precisamente, porque es el tesoro más importante que tenemos.
Cuando luchamos por el medio ambiente, tenemos que recordar que el primer elemento del medio ambiente se llama "felicidad humana"

anti-sonetos para o amor


anti-sonetos para o amor

quem de amor andou virado
na noite dos sapatos rotos
percorre o corso dos gestos

se espanta moscas à baba
dos beijos mistura-se uma
imagem qualquer e devaneia

a mão pousa sobre o dorso
de uma pedra onde há pouco
uma funesta barata atentara
no rosto dos que beijam

o chão como se de uma diva
o colo babassem atônitos
os anjos azuis da coxa
que observa intumescida

*

quem amor dispôs nas coxas
da coxa talvez o paraíso
deslumbrou depois se idos

os tempos de amor e dúvida
a arte das putas espanholas
valiam menos que a futura

vigília das noites sem fim
as casas e as alcoviteiras
onde se guardam os gestos
irreais da conveniência

do amor dos salões e festas
da burguesia em triunfo
que nas jogatinas apostam
as andas dos amores pútridos

(oswaldo martins)

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Poesia 2013 dois


STEFAN GEORGE

EIN GLEICHES

Da mich noch rührt der spruch der abschieds-trünke
Ihr all! und eure hand noch wärmt: wie dünke
Ich heut mich leicht wie nie · vor freund gefeit
Und feind · zu jeder neuen fahrt bereit.

(Stefan George)


DESPEDIDA

Comove-me o abraço e o brinde do adeus
A todas! Mãos calorosas: qual deus
Hoje leve me sinto imune a amigos
E inimigos rumo a novos perigos

(tradução Eduardo de Campos Valadares)

Iluminuras – Crepúsculo – 2012

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

6 salsichas ou treinamento para a invenção do infeno


1ª O Boff é o Quintana do pensamento brasileiro ou não seria o Quintana o Boff  da poesia brasileira.

2ª o Paulo Coelho é o pequeno príncipe das misses de hoje.

3ª A melhor poesia de cora coralina é a roupa de arabescos do retrato do pai morto.

4ª Com raras exceções, a atual poesia brasileira é uma espécie de bilac de calças curtas.

5ª A atual poesia de Drummond não é dele, mas de seus netos.

6ª O folclore é uma expressão tenebrosa, quando feito pela inteligência acadêmica.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Pilulinha 26


Kioto, de Yasumari Kawabata, lançado pela Estação Liberdade, em 2006, com tradução direta do japonês, de Meiko Shimon, é um livro extremamente agudo. Com mãos de tecelão, o autor aborda diversos aspectos da vidada ex-capital do Japão, após os terríveis anos da guerra e da reconstrução que modificaria a percepção de seu povo.  

Descreve, com malícia, a paisagem de Kioto e, ao mesmo tempo, as formas dos obis e quimonos.  A tessitura do enredo – também de grande sensibilidade – a história das duas irmãs gêmeas, Chieko e Naeko, que se viram separadas, quando nasceram – deixa-se ficar num segundo plano bem urdido e quase desaparece ao longo da narrativa.

Sem apelar para uma discrição técnica, Kawabata faz com o leitor se integre ao grandioso universo de uma cultura que se modifica, quase como um antepassado que nos contasse suas experiências – que são como as de todos – em surdina e olhos que antevissem a lenta decomposição de nossa civilização. O capítulo em que narra a presença de um relógio despertador em uma tradicional loja de tecidos é antológica e se encaixa na medida exata das narrativas que procuram tecer-se com intenções que vão além delas mesmas.

(oswaldo martins)

acanhamento


para Cesário Verde (Lisboa 1855- Lumiar 1886)

achou-me pálido
a rapariga que me traz hortaliças
à porta de casa
ia a dizer-lhe

mas só lhe perguntei o nome.

elesbão
06e07/01/13

domingo, 6 de janeiro de 2013

Uma grande surpresa


(Publicado em Eu&Fimde semana, supl. do jornal Valor econômico, São Paulo, 4-6 de janeiro, 2013)

                                                                                  Luiz Costa Lima

Odo Marquard é um filósofo contemporâneo que os trópicos desconhecem. Em um texto datado de 1989, “A Arte como antificção”, ele teve uma ousadia só comparável às que, em vida, tornaram Nietzsche um marginal: propor que vivemos em um mundo que chegou a tal grau de artifício e fantasia que se impõe a tese por ele assim enunciada: “Onde a própria realidade se transforma em um conjunto de fictícios, a arte, de sua parte, converte-se em antificção”.
  A formulação era uma provocação. Ela chega a tal grau que, embora eu a tenha traduzido, só a fiz circular entre uns poucos amigos. Dela, contudo, agora me lembro pela surpresa que causa o livro de estreia de Antonio Geraldo Figueiredo Ferreira (Editora Iluminuras, 2012).
   Mas que razão justifica a lembrança? Ela está em que seu modo de composição mostra uma ficção que parece evitar ser reconhecida como ficção. É certo que o leitor mais atilado se dirá: ora, vejam só, com nossa tradição “documentalista”, incentivada pela moda internacional dos “testemunhos” de situações incomuns, aquela e esses rapidamente convertidos em mini-séries televisivas, de que surpresa se estará falando?
  Permitam-me responder: o não fictício de As Visitas não tem nada a ver com nossa tradição naturalista de romances documentais e de testemunhos. Tem sim a ver com a ausência de dois ingredientes comuns na obra romanesca: o enredo e a unidade de dicção. O enredo é tradicionalmente o meio pelo qual o escritor coordena as ações, impede que elas se descaminhem ou se tornem semelhantes a um curso d’água que, na ausência de um leito, extravasam pelas margens. Ora, neste sentido, As Visitas não têm enredo. Se o livro então não cai nos defeitos apontados é porque seus personagens são os anônimos de toda uma comunidade. Qual comunidade? Aquela que é coberta pela quebra da unidade de diçcão. Ou seja, a ausência de um ingrediente usual se acompanha da ausência do outro. Com efeito, a unidade de dicção, com frequência entendida como “estilo”, é substituída por uma dualidade de dicções: a dominante é a de cunho rural-interiorano, a dominada é a dicção culta, que remete à fala do próprio autor.
  Comecemos pela primeira. A dicção rural-interiorana, fiel mas nem por isso especular à fala da gente do interior, por isso absolutamente inédita na literatura brasileira, é a razão porque a contracapa do livro fala que o autor possui um “ouvido absoluto”. A expressão, usada na música, para executantes de qualidade excepcional, é por certo adequada, com a diferença de que, no caso da expressão verbal, precisa de uma unidade, a palavra, a que não basta o som. E aqui está o mais surpreendente em As Visitas. Na grande maioria dos casos, a dicção no livro de estreia de Antonio Geraldo é extraída desta espécie de “língua geral” que cobre as zonas rurais do Rio, São Paulo, Minas, a estender-se pelo Mato Grosso, pelo nordeste baiano-cearense, até onde não sei. Não se pense, entretanto, em uma variante da lição de Guimarães Rosa. Neste, a linguagem interiorana seguia uma direção anti-Euclides, porque, em lugar da palavra rara e erudita, posta sobre o sertanejo, recolhia o vocabulário do homem do povo, para dele puxar, por um lado, sua força neológica, de outro, sua dobradura filosofante (cf. “A Terceira margem do rio” ou “A Menina de lá”). Ora, nenhuma das duas direções aparece em Antonio Geraldo. Tal ausência, contudo, não significa, como foi e é frequente, que ele se fixe em um estrato naturalista, com o qual o texto funcionaria como documento, testemunho ou espelho do falar e da mentação do homem de proveniência rural. A presença dessa extração é mostrada de outro modo. Desde logo, pela figura copiosa de provérbios e construções aforismáticas – “não sou escada, sou queda”, “Deus às vezes faz as coisas chuviscarem, mas noutras vezes despeja a tromba d’água”, “aprende no chicote, acha a salmoura doce”, “a agonia é a recompensa dos que teimam em não desistir”, etc. A seguir, a alusão não menos frequente a Deus e ao diabo – “se Deus anda meio surdo, o negócio é sapecar um dízimo mais gordo”; “deus não é pras curvas (…) fica, mas sim, nas retas descidas da vida, com o talão de multas na mão”; “e esse povo todo que dá certo na vida não existe de verdade, está aqui por obra do demônio, só pra cutucar melhor as nossas feridas” – que manifesta uma religiosidade difusa, supersticiosa e fatalista, bem diversa da que difundem, nas cidades de agora, as igrejas evangélicas.
  Ser a linguagem coloquial-interiorana altamente predominante não impede que surja aqui e ali a dicção elevada. Escolho pequena passagem, em que o sermo nobilis é marcado pelo macabro irônico. Seu título é importante: “o freguês em primeiro lugar”:
“Como ia adivinhar? Era um jeito de puxar conversa, é preciso cativar o cliente, falar do tempo?, do calor?, não dá, não deviam deixar o caminhão de carniça entrar na cidade, disse, fiz careta, olha que fedor dos infernos, não é? ela quieta, acho que até concordou, depois que saiu é que me contaram que era ela, câncer adiantado”.
  Outros poucos exemplos aparecem em “gravitação”, “oitenta anos” ou na excelente apreensão contrastante da “alta roda”, em “com espírito”. Na impossibilidade de me estender sobre a última, observo apenas ser nela que prima a ironia refinada do autor. Um chefe de empresa escolhe, para o “ritual de fim de ano”, alguns empregados, para que, participando de seus festejos familiares, se admirem de seu “modo de vida” e o contem aos outros: “é, isso mesmo, quem não ostente é como se não tivesse”. A frase do autor é mais eficaz, mesmo porque retoma o ritmo da frase oral e apenas virgula, ou seja faz pausas no exibicionismo do chefe e na “gagueira dos gestos” dos subalternos. “Trabalho social”? Pergunta-se o anfitrião, para que logo responda: isso “não passa de travesseiro ortopédico”; “o nome disso é antigo, o nome disso é poder”.  
  Entre uma e outra dicção, arma-se uma peça teatral que, não contando as declaradas “páginas arrancadas” e passagem em que se fala em retirar as frases demasiado literárias, tem Naum e Cora como protagonistas. A peça aparece em três partes separadas, sempre anunciadas por “os olhos de jussara”, nome da boneca da criança retardada.  Por que entre si desgarradas e com marcação de teatro? Suponho que para neutralizar o clima potencial de dramalhão, acentuando-se, ao contrário, a desgraça costumeira entre miseráveis, desempregados, doentes ou dos que vivem de favores ou bicos eventuais. A narrativa é, em si, de uma vida cotidiana, pouco noticiada e terrível. Cora, a mulher do homem, deixara a casa ao descobrir que o marido engravidara a filha, que tivera gêmeas, uma das quais retardada. Cora volta para casa e insiste com Naum para que a receba. Não é outra sua razão: é uma doente terminal e não tem onde ficar. Viera para rever as netas e espera que o câncer termine sua devastação. A filha termina por convencer o pai-marido para que a aceite; encarrega-se de cuidar da enferma e levá-la ao hospital público, onde o leitor previamente sabe o tratamento que receberá.
  Espalhada pela narrativa, a peça teatral como que oferece um suporte ante a falta de intriga. Mais ainda, se atentamos para seu desenrolar, vemos que ele parte de personagem que, antes de suicidar-se, a envia pelo correio ao personagem-narrador. (O suicida ainda aparece em capítulo autônomo  como autor de aforismos) Os capítulos, ora mais longos, ora muito curtos, se não reduzidos a uma frase, lidam por excelência com uma enciclopédia de espoliados pela vida. São velhos de juntas capengas, “sem girar certo a dobradiça dos ofícios”, enfermos, ladrões, mendigos, toda espécie imaginável de Lúmpen  magotes de moleques, candidatos a trombadinhas, um raro descendente que consome o resto de herança, em suma, o “povinho alastrado pelo brasil”, aqueles que sabem, sem disfarces, nem coloridos televisivos, que aprender a viver é acostumar-se com as perdas. Pois “o fim da gente começa lá no começo”.   

Pilulinha cinematográfica 1


No, de Pablo Larraín, é um filme correto do ponto de vista histórico. Estão presentes nele as imagens terríveis dos anos da ditadura recente no Chile, o tremendo culto das personalidades, que o fascismo ensinou ao mundo. Assim como está presente uma nova linguagem para que se possa falar da coisa pública. A presença do marketing na percepção da política é antiga, entretanto, a esmagadora presença da propaganda como idéia é recente.

A troca do discurso “sério” pelo discurso eficaz foi aos poucos tomando corações e mentes dos idealizadores do século XXI. Não entro aqui no mérito do discurso – apenas anoto. Aristóteles já havia demonstrado como o discurso trágico e catártico servia para educar a população grega para os tempos novos que se vivia então. Com sua capacidade de convencimento transversal e plástico, o discurso da propaganda faz com determinado público vire massa de manobra dos desejos justos ou nem tanto dos que palmilham o plano do poder. Se a intenção é despistada pela “alegria” do discurso, a consciência pode ou não ser despertada pela invenção presente no discurso midiático.

O que tal discurso cria me parece ser um apaziguamento que não se deixa ver e se imiscui nos planos pacíficos que resguardam os torturadores e ideólogos dos regimes funestos que dominaram a América Latina durante anos. A passagem dos governos militares para as mãos dos civis feita – via de regra – de modo pacífico é um chute nos culhões dos desaparecidos, dos assassinados, dos exilados. Ver, por exemplo, Pinochet passar a faixa para seu sucessor cria uma imagem de normalidade que induz ao erro de avaliação deste período tenebroso.

Se foi a única maneira possível, foi também a mais equivocada e apenas adia o que de fato deve ser tomado como diretriz da história – o julgamento dos culpados. A presença apaziguadora da linguagem midiática, quando, a partir da necessidade dos mercados, ela se dobra na venda infausta dos produtos que maquiam a felicidade na compra – por exemplo, de um novo produto que o mercado quer vender, frutifica na inconsciência a que os povos da América Latina foram submetidos pelos que tomaram o poder e pelos que fizeram a escolha de substituí-los pela linguagem do convencimento fácil.

(oswaldo martins)

sábado, 5 de janeiro de 2013

abandono 2




andava triste a nossa senhora
outras mães ostentavam grandes mamas de leite

um dia, disse o filho de quem cuidara
vou embora

modificado em 04/01/13

(Elesbão)

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Pilulinha 25


O céu dos suicidas, de Ricardo Lísias, editado pela Alfaguara, é livro que se lê de um fôlego só. A afirmativa, assim peremptória, pode fazer com que se pense ser o romance algo espetacular. Não é. É um bom romance, não resta dúvida, mas há nele algo de já visto. Lembra-me, pela temática, o conto de Tchekhov, Enfermaria nº 6 e o belo Uma história das borboletas de Caio Fernando Abreu. Embora as histórias sejam diferentes, a construção do texto de Lísias parece-se demasiado com alguns cacoetes formais que estão presentes tanto no autor russo quanto no gaúcho.

A linguagem criada por um autor que pressupõe a presença de vários autores é comum e mesmo natural em escritores que se iniciam na arte da narrativa, entretanto, se esta linguagem mimetiza de tal modo o fazer alheio, inviabiliza-se. Não sei se é bem o caso de O céu dos suicidas, mas a percepção imediata da leitura e das filigranas do romance deixou-me este gosto incomparável do já sabido.

Acerta o autor em diversos pontos. Há parágrafos enxutos e ao mesmo tempo densos. Entretanto, a busca que norteia a narrativa perde o rumo nas longas repetições que dão conta da “doença” em que o narrador mergulha. Romance ligado ao ego de sua época, a criação do alter ego não convence por ser óbvia.

Deveriam os escritores – mesmo que isto lhes custe leitores – não entregar a intenção ou despistá-la – como fazia Machado – com substratos de leitura que se mostrariam – como nos bons calidoscópios de outrora – com o passar do tempo, tão úteis que tornariam a obra imorredoura.

(oswaldo martins)

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Poesia 2013 um

UNGARETTI



ETERNO

Entre uma flor colhida e outra ofertada
o inexprimível nada


ETERNO

Tra un fiore colto e l'altro donato
l'inesprimibile nulla


A NOITE BELA
Devetachi, 24 de agosto de 1916


Que canto levantou-se esta noite
que entretece
com o cristalino eco do coração
as estrelas

Que festa vernal
de coração em núpcias

Fui
um charco de trevas

Hoje mordo
como uma criança a teta
o espaço

Hoje estou bêbado
de universo


LA NOTTE BELLA
Devetachi il 24 agosto 1916

Quale canto s'è levato stanotte
che intesse
di cristallina eco del cuore
le stelle

Quale festa sorgiva
di cuore a nozze

Sono stato
uno stagno di buio

Ora mordo
Come un bambino la mammella
lo spazio

Ora sono ubriaco
d'universo

Trad. Geraldo Holanda Cavalcanti

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

os acontecimentos me entediam ou imitação para elesbão


cinco horas

os ônibus fugazes
raspam a beirada do dia

seis horas

a aurora reponta
as negras unhas

seis horas

ébrio hino
das sequazes de hécate

seis horas

primeiro os bares abrem
depois as farmácias

sete horas

andei a noite atrás de cigarros
comprei-os cedo.

sete horas

trouxe-os até a prateleira
da estante onde guardo cigarros

sete horas

não os fumei
de imediato


rio, 2013
oswaldo martins