sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Ano

Um bom ano, com esta pérola aí abaixo:

Valéria Oliveira e Edu Lobo - Chegança

VESTIDO PRETO, PELE CLARA


Um vestido preto envolve o conto e a mulher aguda. Desenho de mulher viva contorna em tempo enlace a braços, ao pescoço. Enquanto os olhos filmam planos alheios, retoco um tateio, pés e joelhos, coxa e ilharga. Vestida de preto rua afora do conto de Mário de Andrade traça-se sobre o seio triste meio e margem de outra via.

Niterói, 2012

CLÁUDIO CORREIA LEITÃO

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Os dez melhores lidos por mim ao longo de 2012


1 – O que deu para fazer em matéria de história de amor –  Elvira Vigna – Cia das Letras

2 – O mestre de Gô – Yasunari Kawabata – Estação Liberdade

3 – Galileia – Ronaldo Correia de Brito – Alfaguara

4 – Rapace – André Capilé – TextoTerritório

5 – Matisse – Imaginação/erotismo/Visão Decorativa – Org. Sônia Salzstein – COSAKNAIF

6 – Adelino Magalhães – Obra Completa – Aguilar Editora

7 – A Ferida de narciso – Evaldo Cabral de Melo – Editora Senac

8 – A ficção e o Poema – Luiz Costa Lima – Cia das Letras

9 – Elias Canetti – Vozes de Marrakesh – COSACNAIF

10 – O senhor Brecht – Gonçalo M. Tavares – Casa da Palavra

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

dísticos imperfeitos


as mulheres ilegítimas
abandonam os livros

com o olhar inacessível
os homens

adornadas de presente
antevistas de  violência

no corpo nu
aprestam se aos vadios

os dísticos dos poetas
sem ou quando

à beira da cama
ganem abertas

não só as pernas
mas as armas

(oswaldo martins)

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

TextoTerritório e se o mundo não se acabar?

tríptico natalino


a castanha era o motivo natalino por
excelência o trigo da festa da fresta
que a priminha permitia

na casa avoenga a putaria franciscana
despia antes as hipocrisias natalinas
de seus faustos e presentes

que todos ganhavam cúpidos
de olho no dos outros e nas coxas
semidespidas das descuidadas meninas

(oswaldo martins)

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

poema do homem nu


sentado na poça
d’água retida do verão
ele se pergunta se é isso
então
se é assim
que o mundo termina
a moça que passa
e olha sem querer
enxerga na sua nitidez
ele.

(Lúcia Leão)

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

bidê

permite a tuas pernas o invólucro
          das paixões os tapetes os guizos
          na água morna roçam-se as coxas
          ó desmensurado, concebe nos teus
          cômodos nossa acre licenciosidade

do lapa 3


o de  o detalhe capta a imagem e te
      integra toma teus olhos olha
      na perspectiva mínima

do lapa 2


mang    mangue minhas rugas onde dejetos fedem
        ardor e sementes trouxeram no meio-fio
        amalgamadas colombinas tb caco como ta
        tear cancro cumular sevícias e baratas

do lapa


nos           
 nos  nos teus peitilhos de maracujá
      pouca barba levantar-te a saia
      navalhada, para quem te queira
      o desejo vagabundo de misérias

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

contra-poema para moça sentada na privada nua


ela tirava meleca do nariz
o ouro escorrer

bolinhas atirava
para o fundo da vala

a cabrita
em sua vida privada

compunha quadros
que nenhuma bandeira

ousara


(oswaldo martins)

poema para moça no banco de praça nua


nas desoras

o vermelho das coxas
convida para um funk
nas estrelas

na luz do poste
o arraial da nudez

balbucia benzim
os olhos soçobram
inebriados de espaço

(oswaldo martins)

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

poema para moça no centro do espaço nua


havia o universo
para navegar um braço

de terra atirado
nas nuances do vácuo

um desrespiro que atinge
o centro do sovaco

(oswaldo martins)

Balada do provisório


Noite flamenca


Não era muito de sair à noite, precisava apaziguar as brigas do marido com o filho. O garoto, como tantos universitários, resistia à vida adulta, criava birras em todo espaço-tempo e gastava sem critério. Nos últimos meses, o grupo da dança flamenca estava proporcionando algumas oportunidades de badalação.

Chegara ao curso de verão pelas mãos das amigas do trabalho, deixou-se levar com certa facilidade, para si mesma reafirmava o propósito de só fazer esse mês de aula. O joelho não ia aguentar, não tinha ritmo. Os genes árabes a fizeram gostar da dança, da música cigana com sua escala ascendente tão próxima de uma herança com que nunca tinha entrado em contato. Ficou para mais um semestre, e outro.

Irene, a professora, é uma jovem argentina que preferiu o flamenco. Ver a professora dançar lança a turma numa certeza de não conseguir. No entanto, rápido se aprende guiado pelos passos fragmentados em câmara lenta. Nota-se o esforço. Mais fácil para ela dançar no ritmo certo. Não é problema errar, um pequeno acerto sempre é valorizado, gerando a confiança de poder mais.

Naquela noite ia assistir a uma apresentação de Irene com Davi, um bailarino cigano e argentino, acompanhados por Antônio, um violonista brasileiro especializado em flamenco.

No céu, uma faixa azul avermelhada ainda resistia enquanto a lua cheia surgia do outro lado. Era uma casa do início do século XX numa transversal das Laranjeiras. O pátio externo fora preparado para servir como auditório e bar. Toldo, mesinhas de madeira de demolição, cadeiras de boteco, luz de velas, tablado numa extremidade, mais cadeiras e poltronas na outra.  As conversas regadas a cervejas artesanais fluíam. As amigas do trabalho chegaram e foram sentar ao fundo, estava mais fresco sem o toldo. 

O baile começa. As conversas passam a sussurros. Silêncio e Olés. Músicas cantadas e dançadas. Aplausos. Danças alegres, sensuais, sapateado rápido que se integra a música tocada.  A dança produz som, o violão cede o protagonismo, acompanha quase mudo. Logo o corpo se lança a novos movimentos de braços, mãos, tronco, cabeça. Precisos, os pés marcam  o compasso fazendo ritmo junto ao canto. A energia dos bailarinos transparece em seus olhos, rostos, postura.

Iniciam uma coreografia de solea, dança das mulheres que perdem seus filhos, choram e exorcizam a dor com o corpo. Passos de revolta ao mesmo tempo de uma busca possível de compreensão da tragédia. A narrativa toma os corpos em silêncio. Respiração suspensa.

A turma da dança, amigos e famílias tornam-se uma tribo em torno da fogueira, sob o céu de lua cheia. Como sempre se fez.       

(Cynthia Magluta)

domingo, 9 de dezembro de 2012

poema curto em linha reta ou ainda poema salsicha


gosto da língua ácida
tocando notas
em tua xota

mais do xaxado
que do xote

mais o xaxar da xoxota
no tapete das etiquetas

(oswaldo martins)

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

O CASTIGO - Conto de Cesar Cardoso com prefácio de Ronaldo Correia de brito


Eu não devo conversar com a minha colega do lado durante a aula.
Eu não devo perguntar como foi o fim de semana da minha colega do lado durante a aula.
Eu não devo morrer de vergonha e confessar que passei a tarde de sábado deitado na cama pensando na minha colega do lado durante a aula.
Eu não devo escrever meu nome no caderno da minha colega do lado nem deixar o coração disparar quando ela me olhar com seus olhos verdes, virar para a frente e tornar a me olhar durante a aula.
Eu não devo abaixar os olhos nem sentir uma quentura se espalhando pelo rosto nem desejar pousar a cabeça nas coxas da minha colega do lado nem pegar a borracha na outra mesa só para roçar os dedos bem de leve, quase sem tocar, nos pêlos lisinhos do braço dela durante a aula. 
Eu não devo devolver a borracha, emprestar a caneta de três cores - azul, vermelha e preta, olha só! -, deixar cair tudo e, enquanto cato sem jeito, segurar os braços da minha colega do lado e puxá-los mesmo sem muita força, porque ela nem resistiu e veio para o meu lado com tanto impulso que nós quase caímos das cadeiras e deu uma vontade de rir danada durante a aula.  
Eu não devo pedir à professora para ir ao banheiro, ouvir ela dizer que a minha colega do lado já foi e eu sei muito bem que só vai um aluno de cada vez, não adianta insistir que estou apertado, que ela foi no banheiro das meninas e eu vou no meu, porque a professora já está berrando que eu sou metido a engraçadinho mas ela não está achando graça nenhuma e eu devia era ficar calado durante a aula.
Eu não devo fazer um bilhete para a minha colega do lado nem ficar com a mão tremendo tanto que mal consigo escrever e não saber mais se faço ou não faço o bilhete, acabar fazendo assim mesmo, todo tremido, de um jeito que ninguém vai conseguir ler o que está escrito, muito menos ela, que até usa óculos, uns óculos que fazem ela ficar mais bonita ainda quando franze os olhos verdes e tenta ler o que eu escrevi durante a aula.  
Eu não devo arrancar o bilhete das mãos dela, me abaixar na carteira e dizer que não adianta ela fazer cosquinha porque eu não vou dizer o que está escrito ali, ela não vai saber nunca, não conto, pode desistir, nem adianta puxar meus braços, apertar minha mão, minhas bochechas, e quer saber o que eu vou fazer?, vou fechar os olhos e encostar de leve meus lábios e minha língua nos lábios e na língua da  minha colega do lado durante a aula.
Eu não devo me assustar com o grito da minha colega do lado nem com a professora berrando de novo comigo que dessa vez eu passei dos limites, nem dizer que eu não passei limite nenhum, professora, nós estávamos só conversando e eu não entendo porque a minha colega do lado começa a chorar e a dizer que eu vivo implicando, perturbando, fazendo bilhetinhos e que ela só gritou porque eu a beijei à força, à força, professora!, e eu nem devo quase começar a chorar também e jurar que não beijei ninguém, é mentira, enquanto a professora vem até aqui, me pega pelo braço e me leva pra fora de sala junto com o bilhete que eu fiz para a minha colega do lado durante a aula.
Eu não devo tornar a sentir uma quentura se espalhando pelo rosto, só que dessa vez de tanta raiva da minha colega do lado, nem chamar o Beto, o Doda e o Codorna e combinar com eles para me esperarem lá detrás das três mangueiras no final do recreio, nem pedir desculpas para a minha colega do lado, que não quer conversa, então eu abaixo a cabeça, me desculpo novamente, ofereço um pedaço do meu lanche pra ela, que sorri, dá uma mordida no sanduíche de pão com mortadela e nós saímos conversando lá para os lados das três mangueiras, onde o Beto, o Doda e o Codorna aparecem e nós agarramos a minha colega do lado, tapamos sua boca enquanto ela se debate, eu acendo um cigarro, sopro a brasa, encosto bem pertinho daquele olho verde e falso e ela fica quietinha, enquanto nós levantamos a sua saia, tiramos a sua calcinha, deitamos ela no chão de terra, eu abaixo a calça e a cueca, me deito por cima dela, desajeitado, vou tentando cada vez com mais força, mais força, e conto que sempre sonhei que minha primeira vez seria com ela e sinto que o meu pau por fim entra naquela carne macia e gozo dentro da minha colega do lado e digo que ela não deve contar nada para ninguém durante a aula.


Cesar Cardoso



Apresentação
Ronaldo Correia de Brito

Há alguma vantagem em se narrar na primeira pessoa? Talvez. Uma delas é que a história parece ter sido escrita por alguém que não o próprio autor. Quando usamos a terceira pessoa, nos tornamos os únicos responsáveis pelo estilo, acertos e erros da história narrada.
Cesar Cardoso, de larga experiência, certamente não pensou nessa questão quando decidiu escrever os vinte e cinco contos de As primeiras pessoas. Se a escolha aconteceu ao acaso, foi seu primeiro acerto. Cada conto é uma voz narrativa diferente, tornando o livro uma polifonia vocal, que o leitor escuta enquanto lê.
Alguns esperam dos livros de contos que possuam uma atmosfera única, um mesmo diapasão narrativo da primeira à última página. Não esperem isso de As primeiras pessoas. Cesar Cardoso surpreende a cada história que narra, ou melhor dizendo, que os personagens narram por ele.
Em “Déjeuner Du Matin”, a voz que se escuta é delicada, reminiscente, com um assumido sotaque carioca. Bem diferente da voz aliciante, dissimulada e perversa de “Chororô”. Em “Eles”, a primeira pessoa narradora esbanja metáforas como ‘pude ver a lua bebendo água na vasilha do cachorro’ ou ‘socava as tristezas com muito alho e noz moscada’. É uma primeira pessoa feminina, com gosto pelo tom estranho, quase sobrenatural. Bem diferente de “Ladies First!”, em que a voz assume o deboche e a ironia, faz muitas perguntas e fala de cinema e televisão.
Ninguém neste livro sentirá o embalo da atmosfera única. Cesar Cardoso inventa modos narrativos, faz experiências como em “Bem unidos façamos”, uma sucessão de cartas engraçadas e ricas em citações, pois se trata de um autor que transita pelas várias formas da arte, mas que também é capaz de escrever com o ritmo fortemente marcado pela linguagem oral e pela música popular. Em todos os contos Cesar Cardoso imprime sua marca de narrador experiente, seguro do que é escrever bem.
O mais curioso nesse livro instigante é ler que ele foi dedicado aos netos. Com tantos experimentos e ousadias, eu o imaginava escrito por alguém bem jovem. Salve a juventude desse jovem senhor! 


terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Décio Pignatari


"Décio era um extraordinário poeta e pensador.
O maior poeta-inventor da minha geração, e um dos maiores da literatura de língua portuguesa de todos os tempos. Radical adversário da “geléia geral”, nunca recebeu prêmio algum por seu trabalho.
Incomodava universidades e academias.
Apesar de amplamente reconhecido como um dos fundadores da poesia concreta, era muito mais do que isso e morre — Oswald da minha geração — incompreendido e injustiçado como este.
Não me convence o pós-blablablá de inimigos e pós-amigos de última hora que sempre hostilizaram a poesia de ponta e agora põem a cabeça de fora. Lembro do que Maiakóvski escreveu sobre Khliébnikov.
Onde estava essa gente enquanto ele vivia?
O Brasil das sobras nem imagina o que perdeu.
O filtro do tempo vai ensinar."

Augusto de Campos, 2.12.2012


Textos revolucionários do paulista continuam a luzir entre os novos

LUIZ COSTA LIMA

Mesmo quando não é repentina, a morte é sempre inesperada. Porque acreditamos que a morte é exclusividade dos outros, temos por certo que os amigos não morrem. Sou por isso surpreendido neste fim de tarde de um domingo abafado com a notícia da morte de Décio Pignatari.

Havia quanto tempo que não o via? Apenas de vez em quando tinha notícias suas, que confirmavam continuar o irreverente que sempre foi.

Corro à estante à procura do poema crítico-visual que marcou minha adolescência. Tenho a sorte de encontrar com rapidez sua coletânea "Poesia pois É Poesia". Não sei se será possível reproduzi-la. Se o for, tanto melhor.

Na dúvida, desdobro-a à minha frente. Reproduz-se a nota de um dólar e, em lugar de o centro ser ocupado por uma figura respeitável da história norte-americana, expõe-se a gravura de Cristo com sua coroa de espinhos.

No verso da nota, aparece o mais inesperado: em vez do nome "Cristo", tinha-se o cifrão de nossa moeda, Cr, seguido pelo cifrão do dólar, com o "S" atravessado por uma barra e, a seguir, "isto".

O nome próprio tornava-se o símbolo de nossa dependência, tornada mais explícita e mais ampliada pela complementação da frase "é a solução". O Cristo atualizado é um Cristo de cifrões.

Não serei desonesto comigo mesmo se disser que a solução crítico-poemática foi uma das minhas primeiras e mais fortes amarras para minhas opções, tanto a política como a profissional.

Como a política? Não é preciso esforço para esclarecer: é suficiente saber que fui o benjamim dos aposentados pelo AI-1, de outubro de 1964.

Como a profissional? Aí sim, será preciso esclarecer: a montagem parodística de Décio foi um dos meios pelos quais soube que não queria empregar minha vida senão em conhecer e sempre mais estudar a poesia.

Imediatamente, à montagem referida aparecia a indicação "stèle pour vivre nº 4", trazendo abaixo "mallarmé vietcong". Seguiam-se as combinações entre texto e imagem -não esqueçamos que Décio foi um dos principais propagadores da semiologia entre nós- que não posso reproduzir.

Delas apenas direi que constituíam uma semiologia que o tempo acabou por desgastar. Acreditávamos que o mundo podia ter outra face e que ela seria modelada pela poesia revolucionária de Mallarmé e pela guerrilha, no caso a asiática.

O tempo se encarregou de mostrar nosso engano e ainda nos concedeu que sobrevivêssemos. Mas, se o vietcong desapareceu, os poetas revolucionários continuaram a luzir entre os novos.

Mas como novos então e agora?! Será ilusório então dizer que ser novo não se confunde com uma etapa biológica? Ao menos, quando o novo se converte em algo, por exemplo em texto, deixa de ser uma exclusividade do biológico. Não é precisamente isso que nos faz pensar no verso do próprio Décio, por mais que fosse parte de um poema intitulado "Epitáfio"?

"Lento e fundo é o ar de tuas tardes nos teus poros".

LUIZ COSTA LIMA é crítico literário e professor emérito da PUC-Rio

Folha de S.Paulo, 4.12.2012

sábado, 1 de dezembro de 2012

Salve, Jorge!


antiode para certos barbosas


para o andré capilé, que me deu o mote para o barbosa goleiro herói
                                      

há barbosas e barbosas

uns moram num bairro longe
roubam bolinhos nas marmitas
porque sentem fome
e se transformam em intérpretes
bem humorados dos cafofos das malocas dos trens das onze
e se chamam rubinatos

uns abelardos
jogam bacalhaus e circo
inventam o trono popular dos destronados
os cantores mascarados e os abacaxis
e ai fruita boa
no rebolado das chacretes

uns logo ali
no dessacralizado maracanã calam multidões
mas reinventam o caneco de ouro
e o expresso da vitória dos crioulos vascaínos
chamam-se moacir estes barbosas
que reclusos evocam por si mesmos o estigma
das injustiças

que o populacho midiático grita
que o penacho dos capachos vibra no ar
e os minervais, e os indiciais, e as vestais, e as togais
pessoas
como se a pátria fosse deles
como se a pária dos rapaces rapinantes
nada com eles houvesse na compra de votos reeleitivos
no chicote que estala nas costas dos mortos-vivos
que trabalham e suam

como antes suavam os escravos

mas há outros barbosas, mais venais
como um que se chamou ruína
e queimou os apêndices da escravidão para mantê-la
nos homens livres
e pousou de águia quando era um pombo correio
das assombrações governamentais que medravam
nas lavouras de café, nas lavouras com que o lavoura
incitava a implementação do capitalismo de coronéis

e tome suruba, palavras difíceis e dosimetrias
como data vênia e jogo para os jornais minervais
e revista vejas e

tome suruba, posturas imperiais e aiaiais
das iaiás e dos ioiôs
e tome

suruba

esses ruis vão a haia
vão à praia
vão à baia
vão à laia

dos ruis redivivos

e fecham a cara
e abrem as arcas
as sacas do neo latifúndio nacional

são doutores que doutoram
são auditores que auditoram
são ores que oram

por um deus mais nefasto
que os deuses dos basbaques
por um deus mais infausto
que os deuses de fausto
ou como lembra marx sobre o ópio do povo
esses que oram pelos deuses de ouro
rezam contra
a memória dos escravos
rezam contra
como rezaram contra getúlio
como rezaram contra o luí de gonzaga
e contra a memória dos governos populares

(Oswaldo Martins)

três poemas amorosos sobre a nudez


poema para moça na praia nua

o mar sentou-se em seu colo
os pelos embebidos
na água oxigenada
eram uma dádiva

do corpo escuro ao sol

como uma concha nua
os deuses de areia
fizeram escorrer água
sobre o dorso escuro

de sua pele luz

(Oswaldo Martins)

poema para a moça no sofá nua

sob a casa nua
no sofá

declara a luz

o ápice da sala
escura

(Oswaldo Martins)

poema para moça dormindo nua


despistam ali cediços movimentos
o movimento e a pausa
depois o recomeço

o tempo aguça-se pele
ao som do cravo
ao somo do Jimi

em linha curva o braço
recobre o rosto
faz levitarem os peitos

(Oswaldo Martins)