terça-feira, 27 de julho de 2010

Da poesia e seus lugares

Há poetas que acabam por te tocar, sem que inicialmente se saiba bem por que razão. Certo prazer do indefinido vai te tomando aos poucos, os sons vão se juntando como uma permanência original do mundo, quando as coisas passam a fazer sentido. Ela está ali hieroglífica. Safo, embora nos escapem os sentidos iniciais do que escrevia, pode ser lida como contemporânea. A contemplação do espaço e o ser perdido ante esta contemplação são matéria para o indecifrável a que a poesia responde. Ouvir um poeta declamar sons em uma língua desconhecida é tão útil para o poeta quanto o estudo das sintaxes e morfologias. Se aquele som te pega por algum motivo é porque há nele uma construção intencional e intencionada para causar o efeito que causa o alumbramento. A poesia, quando acerta o âmago do sentido, é quase insuperável como expressão humana. Não por ela te dizer alguma coisa sobre a vida particular, mas por dizer o inesperado, a novidade absoluta sobre qualquer motivo. A poesia pode estar no sexo do poema, emblemática como soem ser as sensações. Leiam ao acaso:

faz a morte o nariz curvar (villon)

Quem senão a poesia pode falar do grotesco com tanta naturalidade. Sabe-se que muitas vezes o nariz é metonímia para o pênis. A morte passa a ser – a partir do verso de Villon – uma possibilidade da impotência, de maneira que a perda das sensações significa estar morto. A poesia desvela este sentido, permitindo ao sujeito investir na afirmação do ser pulsante, no tesão pela vida, pelo outro corpo. A poesia pode ser lida como se fosse uma foda, tencionando os músculos do cérebro para a explosão da sensação natural a que se está sujeito. Daí que outra deriva pode ser buscada. O raciocino e a reflexão, a partir do poema, têm a ver com a explosão do sexo, com o gozo físico, igualando assim a capacidade de invenção que a reflexão nos dá com o sentido instintivo e prazeroso que o sexo permite. Por isso nada lhe estranho. Nenhuma palavra, nenhum contexto – mesmo os mais ímpios, mesmo os mais impuros ou condenáveis – são matéria que se deva deixar de lado. Se Safo pensou no isolamento de ser ante a enormidade do universo foi por perceber que seu desejo se consumia no abandono lascivo da contemplação.


(oswaldo martins)

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Pilulinha 11

Em O BOM SOLDADO, Ford Madox Ford, com maestria, desenvolve uma narrativa maior e extremamente significativa, que elucida, para além de seu tempo, e perpetua, no nosso, as forças que permitirão compreender a vasta relação entre uma Europa que decai frente às expressões econômicas do novo e ingênuo mundo, representadas pela América do Norte.

(oswaldo martins)

quinta-feira, 22 de julho de 2010

a voz do anjo

1

por despir meu manto
outros tantos

enlouquecidos
fiaram-se pelas arandelas

antálgicos
contra o desespero

enquanto despia-me
um outro compunha

a salvação do mundo
para sempre embriagado

de mim


(oswaldo martins)

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Mano a Mano Gato Negro

Gardel Mano a mano

Pilulinha 10

TANGO, gravado pelo grupo Gato Negro é uma bela obra. Equilibrado, ante as agruras do estilo portenho, a economia do canto e dos instrumentos traz uma releitura interessante dos clássicos Mano a mano e Pampeiro, além de um belo Nostalgias e o incomparável Vuelvo ao sur de Piazzola e Fernando Solanas. As influências do jazz e da bossa nova tornam esta releitura imperdível.

(oswaldo martins)

segunda-feira, 12 de julho de 2010

língua portuguesa

1


é preciso destravar a língua

caralho
bago
coalho

desconhecer os entraves da misericórdia

e a bucetinha
como uma roda d’água

vadia


2

deixar o quê
operar milagres

usufruir soberbamente
as palavras

as sintaxes
e a sonoridade

das
que explodem

de gozo

quando gozam
os falantes

da língua portuguesa



3

língua para se usar
e destampar as conchas
os galanteios

língua para se usar
contra

sem interdição

a língua como um gineceu
aberto a experiências

uma língua-madalena
na elegância das putas

que sabem da nudez
os usos mais soberbos


4

língua madalena
não a língua
das mamães cem por cento

não a língua dos magistrados
não a dos professores em seus usos didáticos

língua sem depósito ou raiz
língua das ruas

onde se aprende da língua
o que da língua se move

e o dizer do prazer agudo
nesta língua transformada

no que a língua
deixa ver



5

talvez a buceta em flor
a beira d’água

lírica dos amantes
que extraem deste timbre

os vagidos estelares
o curso dos rios

a preparação dos moinhos
e a vida repovoada


6

talvez a densidade

talvez o desenlace
o próprio sobrevôo

sobre as palavras
que estouram

e tabulam
o manancial dos ritos



7
para joão ângelo oliva neto

como um totem
esta pica

come os tabus

para que o renovado
deus da priapéia

erija monumentos
nos jardins públicos

nos privados banhos
de casa

na exposta língua
dos prostíbulos



(oswaldo martins)

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Prêmio

Luiz Costa Lima recebe prêmio Mário de Andrade, categoria ensaio da ABL. A obra premiada O Controle do Imaginário & A Afirmação do Romance – Dom Quixote, As relações perigosas, Moll Flanders, Tristram Shandy, publicada pela Editora Companhia das Letras.


Ponto para os acadêmicos.

Sobre o Cosmologia

O erotismo não é a sexualidade, e sim sua metáfora, e o texto erótico é a representação do erotismo. Mais: creio que o texto erótico possa ser também uma metáfora da liberdade. E cada poema de Oswaldo Martins é sempre uma afirmação disso. Esse caráter pode ser entendido se pensarmos que Martins não parte de um ato sexual para criar sua poesia – ele utiliza elementos do sexo para problematizar outras questões, como é o caso de “antimetafísica das apreciações”:
quadros
assim como livros

cheiram a buceta

há livros e quadros
bolorentos

dir-se-iam uma buceta
sem uso

como dizem das bucetas
bem usadas

há quadros e livros
que relampejam (MARTINS, 2008, p. 58)

A “buceta” do poema não é física. É um elemento que remete à sexualidade em geral e pode, portanto, ser relacionada à arte, já que é isso que Oswaldo propõe: a transformação da arte em sexo, em fonte de prazer, antes de qualquer coisa. Por isso, Cosmologia do impreciso é mais que um belo livro: é um livro movido por uma tese que atinge a todos nós e a qual todos deveríamos pensar e discutir: até que ponto falta tornar nossa vida mais sexual, no sentido mais erótico da palavra, ou seja, vital.

(Larissa Andrioli Guedes - Análise crítica do livro Cosmologia do impreciso, de Oswaldo Martins)

MARTINS, Oswaldo. Cosmologia do impreciso. Rio de Janeiro: 7Letras, 2008.

Aretino

Diverti-me [...] escrevendo os sonetos que podeis ver [...] sob cada pintura. A indecente memória deles, eu a dedico a todos os hipócritas , pois não tenho mais paciência para as suas mesquinhas censuras, para o seu sujo costume de dizer aos olhos que não podem ver o que mais os deleita. (ARETINO, 2000, p. 5)



ARETINO, Pietro. Sonetos luxuriosos. Tradução, nota biográfica, ensaio crítico e notas de José Paulo Paes. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

terça-feira, 6 de julho de 2010

segunda-feira, 5 de julho de 2010

"HISTÓRIA PÁTRIA” AMADA

Campo 8
“HISTÓRIA PÁTRIA” AMADA
Ascensão e Queda do Capitão Dunga

E eram dez x onze os nomes descendentes.
Buritis de tronco mascavado, a mauritana gente
de um lado. Do outro, os de laranja
ruivos outrora. A cor dura dos neerds de Nassau
numa jogada de mestre
à mistura contra os de Cabral.

E é de novo Europa França Bahia.
Tabaco açúcar cravo canela
num passe de gigante maravilhado
mauricinhos maurícios caca
cacau em campanha na África.


Em jogo nem presente nem passado.
O futuro é já um engenho velho.
Fogo morto. Companhia das índias
acidentais da barquinha ou que vai ou
que vem carregada de

Aventureiros Bacharéis Cruzes
de Cristo Donatários Espanhóis
Flibusteiros Governadores
Holandeses
em letra capital e
cheinha de os países baixos
índios pau de tinta degradados.

O time ABC do Brasil
saúda a saúva Macunaíma e
perde passagem.

Com Amor Humor,
Oswald


(jorge Fernandes da Silveira)

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Paralelos

Ontem alegria tão grande
hoje dor tão profunda
ontem vassoura na mão
hoje vassoura na bunda

(sobre a renúncia de Jânio)

Ontem alegria tão grande
hoje dor tão profunda
ontem bandeira na mão
hoje bandeira na bunda

(sobre a eliminação da seleção)

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Pilulinha 9

Dona Ivone Lara, a grande compositora do Império Serrano, não é só grande compositora. Além das músicas que compôs, o canto que acompanha essa mulher divinizada é algo de incomum. Reconhece-se no longe do primeiro som, sua voz ardente e decisiva, diria quase que vinda de um além da música. Ouçam o belíssimo Axé de Anga, que entenderão o que quero dizer. Música seminal, que fala não só de um povo, mas de uma forma de pensar que o tempo vai devorando.


(oswaldo martins)